Definir ficção e suas especificidades constitui interesse de áreas de estudo como a Teoria da Literatura, a Linguística e a Filosofia. É comum que se busque na própria linguagem as marcas que distinguiriam o texto ficcional. A teórica da literatura alemã Käte Hamburger propõe que a narrativa em primeira pessoa não seja ficção, mas fingimento com intenção de se passar por enunciação verdadeira, por não conter em si nada que a desnude como texto ficcional. Esta posição instiga o autor do presente trabalho, aqui em sua tese de doutorado, a demonstrar que, em vez de querer fingir a realidade, a narrativa em primeira pessoa exacerba e intensifica os processos de escrituração e recepção do texto ficcional, deixando evidente a sua condição. Se, nas suas origens, a narrativa ficcional em primeira pessoa simulava gêneros como a carta, o diário, as memórias, ela evoluiu para técnicas possíveis apenas no âmbito da ficcionalidade. Exemplos notáveis são os diversos modos pelos quais os narradores exibem seus processos internos, como monólogos e fluxos de consciência. As técnicas de enunciação e de configuração dos tempos narrativos estabelecem modos de recepção específicos do jogo ficcional.