"Da escura abertura do gasto interior do calçado olha-nos fixamente a fadiga do andar do trabalho. Na dura gravidade do calçado retém-se a tenacidade do lento caminhar pelos sulcos que sempre iguais se estendem longe pelo campo, sobre o qual sopra um vento agreste. No couro fica a umidade e a fartura do solo. Sob as solas demove-se a solidão do caminho do campo pelo final de tarde. No calçado vibra o quieto chamado da terra, sua silenciosa oferta do trigo maduro, sua inexplicável recusa na desolação do campo no inverno. Por esse utensílio passa o calado desassossego pela segurança do pão, a alegria sem palavras por ter mais uma vez suportado a falta, a vibração pela chegada do nascimento e o tremor ante o retorno da morte. À terra pertence esse utensílio e no mundo da camponesa ele é abrigado. É dessa abrigada pertença que o próprio utensílio ressurge para seu repousar-em-si." - Martin Heidegger