Porque é que F. Nietzsche é um interlocutor particularmente valioso para a psicanálise? Esta convergência poderia situar-se no estudo dos sonhos, do substrato pulsional do sujeito, da pluralidade do ego, da proibição do incesto como estruturante do psiquismo, do estudo da origem dos sentimentos morais, do corpo como representante de uma nova verdade, etc. No entanto, tais coincidências teóricas são sustentadas por um fundo ético, uma conceção singular do homem e da cultura que considera o mal-estar do sujeito como um facto enraizado na civilização e articulado na linguagem. Para ambos, todo o idealismo constitui o resíduo de uma posição infantil que deve ser perdida. "O homem não pode permanecer inteiramente uma criança; no fim, tem de se lançar na vida hostil. A isto se pode chamar educação para a realidade"; tanto a observação psicológica de Nietzsche como o tratamento psicanalítico freudiano entram nas condições deste "infantilismo", na suposição de que a construção de conhecimento sobre os processos envolvidos no pathos levaria a consequências valiosas, produtivas e limitadoras do desconforto subjetivo.