A impressão é que H. L. Mencken e Ambrosie Bierce colaram aqui, neste livro, e sopraram nos ouvidos do autor: "diga a eles que estamos contigo, vamos embarcar juntos nesta jornada em busca da fé que perdeste nos cães." Contudo, Mirisola, que sempre navegou por conta própria e contra a maré, resolveu dispensá-los, por abominar "literatura espírita" e fungadas no cangote. A fé que perdi nos cães é um livro de pequenos contos e crônicas, às vezes micro, permeados de aforismos, alegorias, parábolas e alguns "insultos", às vezes à guisa de divisões caretas, às vezes como surpreendentes iluminações e, na maioria delas, como bons álibis para morder o próprio rabo e seguir atordoado rumo ao "final da picada". Sustentados por uma linguagem ácida, irreverente e muitas vezes realista, estes textos são como crônicas da vida real e literária de M.M - e não teriam porque ser diferentes para este autor que jamais se escondeu atrás das máscaras risonhas dos contratos sociais e das militâncias de conveniência. Alguns textos requentados, porém, todos ainda inéditos, se mantêm atuais neste livro, neste tempo e no futuro. Porque muito mais do que aquecer ou refrescar textos guardados, raspar o fundo do tacho com vontade e misturá-los aos mais recentes - obrigado pelo ProAC, que sabe-se lá porque contemplou este projeto - o autor entendeu que ir em busca do tempo perdido é a mesma coisa que tentar recuperar a fé nos cães, ou, quem sabe, chegar ao "final da picada", anunciado desde a primeira página deste livro. Não sabemos se os cães ainda depositam fé nos homens, mas fica claro que Mirisola novamente conseguiu ir além, de si mesmo, e do final da picada tão desejado que parece não ter fim, pelo menos enquanto Mirisola continuar reclamando e "cometendo" livros como este.
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