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— Mas o que pretendes fazer agora?    — Morrer.    — Morrer? Que idéia! Deixa-te disso, Estevão. Não se morre por tão pouco...    — Morre-se. Quem não padece estas dores não as pode avaliar. O golpe foi profundo, e o meu coração é pusilânime; por mais aborrecível que pareça a idéia da morte, pior, muito pior do que ela, é a de viver. Ah! tu não sabes o que isto é?    — Sei: um namoro gorado...    — Luís!    — ...E se em cada caso de namoro gorado morresse um homem, tinha já diminuído muito o gênero humano, e Maltus perderia o latim. Anda, sobe.    Estevão meteu a mão nos cabelos com um gesto…mehr

Produktbeschreibung
— Mas o que pretendes fazer agora?    — Morrer.    — Morrer? Que idéia! Deixa-te disso, Estevão. Não se morre por tão pouco...    — Morre-se. Quem não padece estas dores não as pode avaliar. O golpe foi profundo, e o meu coração é pusilânime; por mais aborrecível que pareça a idéia da morte, pior, muito pior do que ela, é a de viver. Ah! tu não sabes o que isto é?    — Sei: um namoro gorado...    — Luís!    — ...E se em cada caso de namoro gorado morresse um homem, tinha já diminuído muito o gênero humano, e Maltus perderia o latim. Anda, sobe.    Estevão meteu a mão nos cabelos com um gesto de angústia; Luís Alves sacudiu a cabeça e sorriu. Achavam-se os dois no corredor da casa de Luís Alves, à Rua da Constituição, — que então se chamava dos Ciganos; — então, isto é, em 1853, uma bagatela de vinte anos que lá vão, levando talvez consigo as ilusões do leitor, e deixando-lhe em troca (usurários!) uma triste, crua e desconsolada experiência.    Eram nove horas da noite; Luís Alves recolhia-se para casa, justamente na ocasião em que Estevão o ia procurar; encontraram-se à porta. Ali mesmo lhe confiou Estevão tudo o que havia, e que o leitor saberá daqui a pouco, caso não aborreça estas histórias de amor, velhas como Adão, e eternas como o Céu. Os dois amigos demoraram-se ainda algum tempo no corredor, um a insistir com o outro para que subisse, o outro a teimar que queria ir morrer, tão tenazes ambos, que não haveria meio de os vencer, se a Luís não ocorresse uma transação.    — Pois sim, disse ele, convenho em que deves morrer, mas há de ser amanhã. Cede da tua parte, e vem passar a noite comigo. Nestas últimas horas que tens de viver na terra dar-me-ás uma lição de amor, que eu te pagarei com outra de filosofia.    Dizendo isto, Luís Alves travou do braço de Estevão, que não resistiu dessa vez, ou porque a idéia da morte não se lhe houvesse entranhado deveras no cérebro, ou porque cedesse ao doloroso gosto de falar da mulher amada, ou, o que é mais provável, por esses dois motivos juntos. Vamos nós com eles, escada acima, até a sala de visitas, onde Luís foi beijar a mão da sua mãe.
Autorenporträt
Joaquim Maria Machado de Assis é um dos maiores escritores da língua portuguesa de todos os tempos. Considerado o pai do Realismo brasileiro, cujo marco inicial é seu romance Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), o autor tem importância fundamental na constituição da literatura brasileira. Nascido em 1839, no Rio de Janeiro, pobre, descendente de escravos, gago e epilético, saiu de casa aos 16 anos, quando começou a trabalhar em jornais na capital carioca como aprendiz de tipógrafo. No emprego, conheceu Manuel Antônio de Almeida, autor de Memórias de um sargento de milícias. Sua primeira fase literária é constituída de obras como Ressurreição, A mão e a luva, Helena e Iaiá Garcia, onde notam-se características herdadas do Romantismo, ou "convencionalismo", como prefere a crítica moderna. Em 1897, fundou a Academia Brasileira de Letras, onde ocupou o posto de presidente por dez anos. Machado deixou como legado uma obra de valor incalculável.