O insólito literário é a chave de leitura que consegue dar conta dos absurdos da história recente humana, perpetrados pelos processos de colonização europeus. E Roque Larraquy tece com maestria seu insólito, adicionando temas caros à ficção científica nesta crítica a facetas argentinas que esse país desejaria esquecer. A telepatia nacional, como nas melhores histórias da literatura fantástica, insere nomes reais em uma trama ficcional complexa. Inicia com o sequestro de índios da Amazônia peruana em 1930, que são levados, através do Brasil, a Buenos Aires. O objetivo? Replicar em solo portenho o projeto asqueroso europeu que gerou lucros imensos no séc. XIX: um zoológico humano. Contudo, se esse enredo parece focar no passado, não se engane! Larraquy se vale de tais acontecimentos com o intuito de minar nossas certezas sobre a diferença entre o real e o imaginado, a memória e o delírio e, por fim, o que se é e o que se pode ser. Somente o contato com o Outro pode fazer o indivíduo escapar, mesmo que um pouco, de si mesmo. "Não creio que nascer e crescer em algum lugar imponha a condenação de uma única visão do mundo, nem que a terra ou a cartografia do Estado sejam a prisão de uma identidade", lemos em certo ponto do livro. A ficção científica se consolidou nos temas dos contatos e das identidades e este romance é a prova de que Larraquy sabe usá-los de forma habilidosa. Rafael Ottati
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