Às vezes é possível escrever sobre uma história que se passa ao longo de muitos anos, mas é impossível apreender o que acontece no intervalo de um minuto. Essa passagem de tempo brevíssima, mas infinita, é a duração, ou o fenômeno de captura da multiplicidade de acontecimentos, ideias e sentimentos que habitam cada segundo. "A união das Coreias", de Luiz Gustavo Medeiros, é um romance de duração, em que o leitor acompanha - pelos detalhes, pelas digressões e pelo subtexto - os meandros mentais de um personagem e seus paradoxos, ao longo de apenas algumas horas. Mas é como se fossem anos, dada a densidade e as projeções na direção do passado, da realidade política urgente e das possibilidades de futuro. "Enquanto gira a aliança no dedo da mão direita como quem gira o trinco de uma porta"; "interrompe o giro da cadeira para afiar a memória"; "sua ansiedade por uma resposta quase o leva a fazer a pergunta à chefe, que agora martela o teclado do computador, os olhos variando entre o monitor e os papéis": é no tempo do "enquanto" e da iminência da ação que o leitor vai conhecendo o protagonista, um rapaz negro no emprego errado, com uma chefe bolsonarista (às vésperas da eleição de 2018), dividido entre duas mulheres e duas vocações. E à medida que seguimos o fluxo errático de suas especulações - sobre o amor, o sexo e a própria escrita - vamos nos dando conta das premências políticas do país, dos preconceitos velados e explícitos e dos dramas familiares, sem que nada disso seja abordado explicitamente, mas sempre através do instante. É no jogo extremamente bem tramado entre o que se diz e o que não se diz, que a narrativa vai descortinando (e o gerúndio, aqui, é fundamental) a vida de Paulo, cuja história transcende questões subjetivas e pessoais, para revelar um drama verdadeiramente brasileiro, a partir de Goiânia, cidade onde mora o autor. Mas no lugar de abordar generalidades, como, por exemplo, o papel da extrema direita no país, o romance nos aproxima da intimidade mínima do personagem, como quem diz: é nesse lugar, na sujeira privada de cada um, que se localizam as duas Coreias. É na cabeça das pessoas perdidas pelas circunstâncias de um país dividido que essas forças contrárias guerreiam. E é na tradução dessa divisão em linguagem - uma linguagem em estado de tensão permanente - que histórias como essa ganham potência e fazem ao leitor perguntas decisivas: onde você está agora? Será possível a união das Coreias - dentro e fora de cada um?
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