Quando Descartes (século XVII) elevou o racionalismo ao patamar de modelo superior de pensamento, abriu caminho para uma infindável profusão de filósofos que lhe aprofundaram o élan racionalista e o transformaram em única prática epistemológica possível, desconsiderando todas as outras formas de pensamento. Tratava-se da modernidade. A situação evoluiu rapidamente: nos territórios coloniais da América ou de África e da Ásia, os europeus impuseram as metodologias do colonialismo. A razia étnica nuns casos, a escravatura em todos, como o domínio político-administrativo e militar e as formas de economia capitalista que a revolução industrial iria reforçar, subjugaram os nativos a práticas de exploração e, sobretudo, de menorização étnico-cultural, conduzindo à alienação, à perda, e à humilhação e afastando-os da ação cívica. O racismo está, pois, na base da modernidade, bem escondido pelos pensadores eurocêntricos e hegemónicos que não reconheciam aos colonizados, a capacidade de se autogovernarem. Assim, criaram os estereótipos necessários a um discurso colonial racista e fixaram uma escala humana racial onde os únicos competentes seriam os brancos e, ainda mais, os loiros de olho azul, e os incompetentes seriam os outros. No entanto, os povos subjugados não quiseram continuar nessa dependência e entabularam os diversos caminhos para a libertação política dos colonizadores, a maior parte das vezes com guerras independentistas. A maioria das nações americanas fizeram-no durante o século XIX e as africanas durante o século XX. Porém, a mentalidade dos "crioulos" que levaram a cabo as lutas de independência fora formada pelos colonizadores e isso proporcionou-lhes a manutenção da mesma realidade conceptual - a colonialidade - e gerou-se o neocolonialismo. A razia cultural do colonialismo e do neocolonialismo foi avassaladora, mas não foi definitiva. Os estudos pós-coloniais surgiram em meados do século XX e têm na sua génese, pensadores, sociólogos e intelectuais que refletem sobre os grandes colonialismos imperiais, mormente o caso do imperialismo inglês, hegemónico entre todos e conotado, sobretudo, com o Oriente (Índia) e Médio Oriente. Na segunda metade do século XX e neste século, muitos outros pensadores sul-americanos e africanos vêm estudando o fenómeno diverso dos colonialismos no Sul e vêm conseguindo reatar os laços possíveis com as epistemologias e saberes ancestrais, onde o pensamento eurocêntrico não penetrou por completo. O intuito deste livro é refletir sobre estes colonialismos no Sul, através de pensadores do Sul, cujas realidades são bem distintas dos colonialismos do Norte e ao pensar sobre o passado dos colonialismos ibéricos conhecer o que eles transformaram na História do Atlântico, particularmente, aqui, na de Angola. No fundo, trata-se de colocar Angola e a sua História diante de si própria, e ajudar a descobrir a união entre o que passou e o que se vai passar, preenchendo com novos padrões societais (ecologia de saberes) os espaços vazios que a permanência colonial provocou, mas aproveitando dela a entrada na modernidade. Não a eurocêntrica, mas humana e natural, do Sul, do Atlântico e de Angola.
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