"Foi o brilho", assim começa As aventuras da China Iron. A história conta o renascer de Iron, mulher mestiça que escapa do marido acompanhada da cadela Estreya. Elas encontram Liz, uma inglesa com quem cruzarão a pampa argentina rumo ao delta do rio Paraná. Tudo nesta narrativa é intensificado sob a luz pampeana: cores, saberes-sabores, o amor lésbio, a linguagem prismática e a comunicação interespécies. A paródia do Martín Fierro, livro fundador da literatura argentina, alcança aqui seu princípio modernizador: uma relação dialética faz do modelo um antimodelo ao criar sentidos textuais novos e muito além da imitação. É algo único o estilo de Gabriela Cabezón Cámara. Mas acaba por filiá-la a uma particularíssima família de refundadores do espanhol rio-platense: Una excursión a los indios Ranqueles, de Mansilla; Zama, de Antonio di Benedetto; Gualeguay, de Juan L. Ortiz; Eisejuaz, de Sara Gallardo; El entenado, de Saer. Poucas vezes um livro inadiável recebeu de seus contemporâneos o reconhecimento imediato por parte de críticos e público. As aventuras da China Iron é um desses casos excepcionais. Causou furor na Argentina entre 2017, 2018 e 2019. Em 2020 esteve entre os finalistas do International Booker Prize. Por sorte, podemos recebê-lo agora no Brasil, não muito distante do ano de seu lançamento original. E se no princípio "foi o brilho" caberá dizer que o primeiro do resplendor nem sempre é a cegueira. As aventuras da China Iron é um livro luminoso nas mãos de quem o percorre. Uma aventura inesquecível, escrita em ritmo cinematográfico que nos leva a reter imagens na memória. Davis Diniz São Paulo, maio de 2021
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