Cesto de tranças: um poema que traz um lugar e se faz lugar. Quando paramos para ver a neve cair, não nos recordamos de seus outros estados no ciclo que a água passa, de onde ela pode ter vindo, por onde correu… Vemos a neve cair como se única, como se brotasse magicamente naquele momento. Ela está diante de nossos olhos pela primeira vez agora, e ali também se escapa, sem pertencimento ou ansiedade. Os poemas de Natalia Litvinova em Cesto de tranças são esse olhar atento ao presente que, assim como a neve ou as ondas numa praia que trazem memórias de milhares de anos, segue revivendo as ações de gerações, de sua mãe, sua vó, seu bisavô e também do pai de seu bisavô. São hábitos comuns que não se perdem. São tradições culturais, mas também gestos naturais. Como o voo migratório das aves, as ondas são só outro exemplo da beleza dos dias. Não há adoração a esses elementos, nem tampouco medo. A natureza sempre esteve lá, e o que está hoje contém também o que está ausente. Quando se sobrevive a uma catástrofe causada pelo homem, não se teme o que a Natureza deu. Entre búfalos, ursos, cavalos, serpentes, tubérculos, vermes e humanos há uma coabitação e um respeito. É o que sentimos ao ler os versos de Natalia, uma força sentida nas mãos, na carne; sua umidade nos pés, no hálito. O que a poesia de Natalia nos traz é esse corpo e espírito atemporal, da menina que não possui um talismã, mas que carrega consigo todo um bosque e sua aldeia, aquela que se protege da má fortuna como pode, com a superioridade da natureza, com o misticismo ancestral, com a memória. Por isso, são versos de doçura e resistência. Cesto de tranças é um delicado poemário de um tempo expandido, onde as referências geográficas se cruzam e se dissolvem, e cada existência humana, cada corpo feminino é mais que um cesto de superstições, memórias e destinos, mas a própria poesia, a vida toda pulsando. A menina que nos guia e que não a conhecemos, nos mostra uma experiência de estar-sem-estar. Ela canta e a seguimos, desconjurando maldições, ao mesmo tempo aprendendo que as palavras também servem para contar mentiras. Com isso, ela também passa a ser a velha sábia. A voz dos poemas desloca um eu e um você, que às vezes está próximo, e às vezes distante, como se a narradora estivesse sempre nesse movimento de nos levar ao outro lado do mundo, exótico, misterioso e transcendente e nos trazer de volta ao conforto do lar, do que é ordinário e terreno. E por isso, agora, o talismã também é nosso. *** Quatro meses depois que o reator 4 explodiu em Chernobyl, em 1986, Natalia Litvinona nasceu, em Gómel, na Bielorrússia, cidade que ainda fazia parte da URSS, a duzentos quilômetros de Pripiat, o epicentro da contaminação radioativa. Mas enquanto uma catástrofe de radiação se expandia, apesar das proibições de exposição ao sol e à chuva, a vida seguia, e a pequena Natalia passava sua infância como qualquer criança. Dez anos depois, no entanto, para fugir das doenças e das mortes que não cessavam entre os que haviam decidido ficar, a família Litvinova imigrou e se refugiou na Argentina, onde Natalia se criou poeta, editora e tradutora. Após já quatro livros publicados, em 2017, ganhou o Prêmio estímulo da Fundação Argentina de Poesia, e, no ano seguinte, Natalia Litvinova publicou mais um, o Cesto de Trenzas. Seus livros já foram traduzidos a, ao menos, quatro línguas e suas reedições já chegaram a muitos países, como Alemanha, Espanha, Estados Unidos, Chile, Colômbia entre outros. Cesto de Tranças, pela editora Moinhos, é sua primeira obra traduzida ao português. Ellen Maria Vasconcellos