O Brasil é um país que se constituiu a partir de um tripé: latifúndio, monocultura e trabalho escravo. As nossas raízes históricas e sociais estão, indissoluvelmente, vinculadas a esses elementos estruturais que, direta e indiretamente, determinaram nossas bases políticas, econômicas, sociais, culturais e simbólicas. Dessa forma, a formação do latifúndio mediante a prerrogativa monocultora e escravocrata fundou nossa nacionalidade em desigualdades, violências, ódio e desprezo. Diante desse processo, tivemos resistências. É nesse sentido que o campesinato resiste e existe na luta contra o latifúndio, contra as desigualdades, a violência das elites agrárias e o desprezo do Estado. Portanto, a luta pela terra é um direito legítimo exercido pelas maiorias marginalizadas, exploradas e violentadas historicamente pelo latifúndio, monocultura e trabalho escravo. Foi por isso que houve nosso interesse em pesquisar o Assentamento São Bento, no município de Heitoraí, Estado de Goiás. E no livro, temos por objetivo contar um pouco da história de vida e luta de um grupo de assentados e assentadas, em que, a partir do ano de 1996, acamparam às margens de uma rodovia e iniciaram a luta pela terra, permeada de desafios, vivências e experiências acumuladas. No assentamento, essas vivências e experiências adquiridas por meio da luta pela terra no tempo do acampamento continuaram, agora, sob outras formas, conteúdos e estratégias. Continuam a lutar, agora, não pela terra em si, mas para nela permanecer, para nela trabalhar de forma autônoma e digna. Construíram relações de parentesco e vizinhança, redes de sociabilidades marcadas por auxílios mútuos, reciprocidades, cooperação e associativismo. Tudo isso elabora-se no cotidiano da vida, do mundo do trabalho, da produção. Tudo isso acaba por evidenciar uma ruptura, mesmo que momentânea, com o mundo da mercadoria, do valor de troca, da burocracia e do binômio capital-estado. E assim se estrutura modos de vida e visões de mundo na tessitura do viver cotidianamente.
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