Com relação à psicanálise, a inversão é completa. O discurso dominante se ocupa de traumatismos que não são sexuais, nem originários ou genéricos, que não têm nada de constitutivo, que são acidentes da história, ao mesmo tempo coletiva e individual. A esses traumatismos, que é preciso chamar de contingentes, ele acrescenta uma suposta vítima inocente, que cai sob o julgo do autómaton, com efeitos pós-traumáticos que o liberam de toda implicação subjetiva, e à qual somente devem ser dispensados cuidados e reparação. Evidentemente, há aí algo a se julgar, e inclusive resolver quando o problema do tratamento se apresenta. Vale ressaltar que a psicanálise, tal como entendo a psicanálise lacaniana, está ali lutando, luta ética contra toda concepção psi que, em sua condescendência bem-intencionada, faz do sujeito uma marionete da sorte. Trata-se de saber, especialmente para os psicanalistas, se o trauma que está no cerne do inconsciente, como segredo dos sintomas, é da mesma classe que os traumatismos que o discurso contemporâneo produz. Qual é a sua incidência nesses novos traumas? A historicidade do tema do traumatismo, bem como a da angústia, indica por si só em que medida ele se relaciona com a ordem do discurso que regula os laços sociais, como também a subjetividade.
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