40 anos atrás, o autor Ignácio de Loyola Brandão lançou Não Verás País Nenhum, livro que viria a se tornar um clássico literário. Com uma trama que traça paralelos com a ditatura militar brasileira, a obra mostra São Paulo dominada por um regime fascista, em um contexto ambiental onde as florestas desaparecem queimadas e a água é escassa. O caráter crítico embutido na narrativa de Loyola é clara e explícita, qualidade que sempre pautou as obras do autor e continua a ser uma constante nelas até hoje. Isso fica ainda mais intenso no inédito Deus, o que quer de nós? No livro, o leitor é introduzido em um cenário muito parecido com o da sociedade atualmente: o de uma pandemia. Com uma narrativa que mistura passado e presente, o protagonista Evaristo começa sua jornada enterrando sua mulher, Neluce. A pandemia, chamada de Funesta ou Infame, já dura anos e ele já não tem consciência do que é realidade, sentido e expectativa. Seus sentimentos se misturam e confundem, e o governo, liderado por uma figura que é referenciada como Desatinado ou Destemperado, causa desamparado, confusão e morte. Mestre em criar realidades distópicas, os capítulos de Deus, o que quer de nós? são curtos e a linguagem do livro abusa do uso de ironia para descrever situações absurdas. Na medida em que Evaristo relembra sua vida ao lado da mulher, isolado em seu apartamento, ele tem crises de ansiedade, depressão, ternura e felicidade. Esses sentimentos contraditórios servem não apenas para pontuar as consequências do isolamento e de um governo irresponsável, mas também para mostrar a história de amor dos dois protagonistas, fazendo com que o livro seja, principalmente, sobre humanidade, em todos os sentidos da palavra.
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