Faço questão de assegurar com toda a clareza que absolutamente não tenho a intenção de colocar minha pessoa num lugar de destaque, ao escrever algumas palavras acerca de mim mesmo e de minhas próprias atividades, antes de iniciar o relato da vida do finado Adrian Leverkühn, a primeira e certamente muito provisória biografia do saudoso homem e genial físico, que o destino tão terrivelmente assolou, engrandecendo-o e derribando-o. O que me induz a isso é a suposição de que o leitor — ou melhor, o futuro leitor, pois no momento ainda não existe a menor probabilidade de minha obra chegar a ser publicada (a não ser que, por algum milagre, ela consiga sair da nossa assediada fortaleza Europa e transmitir aos de fora um sopro dos segredos de nossa solidão) — permita-se-me retomar o fio: somente a suposição de que se possa desejar uma informação perfntória sobre o autor e sua situação me leva a redigir como introdução umas poucas linhas sobre o indivíduo que sou — se bem que, na verdade, eu receie suscitar, precisamente com isso, dúvidas no espírito do leitor, que não sabe se está ou não em boas mãos, quer dizer, se eu, em virtude de toda a minha condição de vida, sou o homem indicado para uma tarefa a qual talvez me atraiam os impulsos de meu coração mais do que qualquer afinidade justificadora.