"que poesia é esta? Talvez uma poesia do espanto, dum sujeito em peregrinação por tempos e espaços que conflituam com uma biografia. Benarroch nasceu em Tetuán, mas foi aos 13 anos para Israel e vive em Jerusalém. Publica desde 1979, escreve poesia em inglês, hebraico e, finalmente, em castelhano, pois que, antes de ir para Israel, Espanha foi a sua casa. Edita a revista Marot e é um autor premiado. Estes poemas do belo livroMar de Sefarad nascem dessa peregrinação por geografias físicas e afectivas.
O sujeito dos textos, falando na 1ª pessoa, é um eu para quem a linguagem se trabalha entre dois tempos: o passado insepulto e um futuro improvável. A poesia existe no meio: "Tarde de mais para procurar/ as razões/ demasiado tarde/ para procurar as raízes/ dos problemas/ tarde mais para tentar / uma nova solução/ demasiado tarde para/ morrer" (p.28). A construção rítmica, a associação entre a perseguição dum amor infinito com a certeza de que só poeticamente esse amor existe, a abstração cruzando-se com o concreto, o tema do exílio com o anseio de uma liberdade e a tudo isto somando-se uma capacidade de síntese que é poder metafórico, ironia, vibrante auscultação dos enigmas de estar vivo, isto faz deste poeta um grande poeta entre nós, posto que a tradução seja, em si mesma, uma adopção para português de uma poética estrangeira. Sendo de outra latitude, esta tradução faz o que se exige: este poeta, nós lemo-lo como se fosse nosso. E nosso porque há, repito, imagens e uma respiração originalíssimas, um para-dramatismo que coloca entre o eu e o tu destinatário aquele enigma que produz a grande poesia. Três exemplos: "Ela olha com essa cara/ Sentada ao lado daquele que a beija/ dizendo-me/ Estás a ver/ Com quem estou/ Ele ama-me, eu digo-lhe que o amo" (p.49); "Pesam-me os anos. São uma mochila [...]/ as cervicais da minha solidão" (Mar de sefarad,p.60); "prefiro estar longe de ti/ que perto de ninguém" (Mar de sefarad,p.78); "Perdi muitas mãos/ E as duas que me restam/ São para te abraçar" (Mar de sefarad. p.86); "Escolher uma dor e outra dor é ser adulto" (Mar de sefarad, p.73); "De certa forma/ incerta/ Espero-te/ Minha incerta/ Numa estação onde/ Tenho frio" (Mar de sefarad,p.96). Amor, desencontro e desencanto, ou um grau de fazer linguagem como lemos nesse portentoso poema, "Cavalos": "E/ virão, virão a galope [...]/ os cavalos azuis, os cavalos celestes/ esses serão os piores/ acabarão com os prédios de duzentos andares/ destruirão tanques e aviões/ [...]// virão mais e mais cavalos/ de lugar nenhum/ cavalos que aparecem de repente/ em frente de pessoas que caminham pelas ruas/ e tu, na cama, olhar-me-ás/ desesperada, esperando o meu resgate/ olhar-te-ei e de repente/ transformar-me-ei/ num cavalo vermelho" (Mar de sefarad, p.22)."
Prof. António Carlos Cortez
DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Portugal 06/2024
O sujeito dos textos, falando na 1ª pessoa, é um eu para quem a linguagem se trabalha entre dois tempos: o passado insepulto e um futuro improvável. A poesia existe no meio: "Tarde de mais para procurar/ as razões/ demasiado tarde/ para procurar as raízes/ dos problemas/ tarde mais para tentar / uma nova solução/ demasiado tarde para/ morrer" (p.28). A construção rítmica, a associação entre a perseguição dum amor infinito com a certeza de que só poeticamente esse amor existe, a abstração cruzando-se com o concreto, o tema do exílio com o anseio de uma liberdade e a tudo isto somando-se uma capacidade de síntese que é poder metafórico, ironia, vibrante auscultação dos enigmas de estar vivo, isto faz deste poeta um grande poeta entre nós, posto que a tradução seja, em si mesma, uma adopção para português de uma poética estrangeira. Sendo de outra latitude, esta tradução faz o que se exige: este poeta, nós lemo-lo como se fosse nosso. E nosso porque há, repito, imagens e uma respiração originalíssimas, um para-dramatismo que coloca entre o eu e o tu destinatário aquele enigma que produz a grande poesia. Três exemplos: "Ela olha com essa cara/ Sentada ao lado daquele que a beija/ dizendo-me/ Estás a ver/ Com quem estou/ Ele ama-me, eu digo-lhe que o amo" (p.49); "Pesam-me os anos. São uma mochila [...]/ as cervicais da minha solidão" (Mar de sefarad,p.60); "prefiro estar longe de ti/ que perto de ninguém" (Mar de sefarad,p.78); "Perdi muitas mãos/ E as duas que me restam/ São para te abraçar" (Mar de sefarad. p.86); "Escolher uma dor e outra dor é ser adulto" (Mar de sefarad, p.73); "De certa forma/ incerta/ Espero-te/ Minha incerta/ Numa estação onde/ Tenho frio" (Mar de sefarad,p.96). Amor, desencontro e desencanto, ou um grau de fazer linguagem como lemos nesse portentoso poema, "Cavalos": "E/ virão, virão a galope [...]/ os cavalos azuis, os cavalos celestes/ esses serão os piores/ acabarão com os prédios de duzentos andares/ destruirão tanques e aviões/ [...]// virão mais e mais cavalos/ de lugar nenhum/ cavalos que aparecem de repente/ em frente de pessoas que caminham pelas ruas/ e tu, na cama, olhar-me-ás/ desesperada, esperando o meu resgate/ olhar-te-ei e de repente/ transformar-me-ei/ num cavalo vermelho" (Mar de sefarad, p.22)."
Prof. António Carlos Cortez
DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Portugal 06/2024
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