sultão persa Schariar, marido traído que por isso mesmo perdeu a confiança nas mulheres, resolveu casar a cada dia com uma jovem de seu reino e executá-la na manhã seguinte. Sheherazade seria mais uma dessas infelizes, mas salvou-a a rica imaginação: contava ao marido histórias que, concluídas apenas na manhã seguinte, foram adiando o ato fatal. Assim se passaram mil e uma noites, tempo suficiente para que Schariar recuperasse a confiança e revogasse sua pena de morte, numa justa homenagem ao engenho da companheira. As mil e uma noites, uma ficção inserida no imaginário de todos os povos, é também um exemplo "de histórias que reconhecem o poder da ficção na transformação da realidade, ou, ao menos, na elaboração de conflitos envolvendo a vida dos homens", observa a autora Cristina Costa. Esse poder transformador da ficção é estudado aqui em seu processo histórico de constituição da sociedade midiática, num trabalho que "pretende responder a algumas questões colocadas à comunicação humana com a emergência das mídias digitais". Assim como Sheherazade narrava para aproximar o marido, a televisão se incumbe hoje de criar um "imaginário comum compartilhado", que entretém com o uso de recursos milenares da cultura, como os que se valem do caráter mágico, sentimental e ético da ficção, especialmente do melodrama. E que, além disso, utiliza "grande parte dos recursos desenvolvidos para a ciência e a indústria". Segundo a autora, "as narrativas ficcionais que acompanham a humanidade há tantos séculos também migrarão para os novos meios e serão adaptadas, transcritas, traduzidas, transmutadas, mas certamente conseguirão ainda encantar serpentes e domar sultões".
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