O Sonho Americano tem dois lados como a moeda de um dólar. Um deles é reluzente feito o sol dourado do Vale do Silício. Já o outro, fosco e arranhado, é o que perfaz as histórias de Filho de Jesus, livro fundamental da literatura estadunidense do final do século XX. O que encontramos aqui não é a idílica América com o pé na estrada dos livros de Jack Kerouac e da geração beat, e a relação com a droga não guarda mais qualquer sentido libertário ou espiritual. Publicado originalmente em 1992, Filho de Jesus consagrou Denis Johnson, ele próprio um sobrevivente do alcoolismo e do vício. Narrados por um personagem anônimo que participa da ação o tempo todo, os contos são povoados por seres à deriva, gente que trocaria a própria mãe por um pico na veia. São enfermeiros junkies num pronto-socorro onde deveriam ser os socorridos, não o contrário; ladrões que roubam casas arruinadas e homens que são esfaqueados no olho pela mulher enquanto dormem. A despeito de o sonho da contracultura ter acabado, a realidade dura e cinzenta dos anti-heróis de Johnson tem como único ponto luminoso o delírio fugaz de um barato qualquer. A via-crúcis bíblica tem catorze estações, assim como o programa de recuperação dos Alcoólicos Anônimos tem doze passos. Filho de Jesus, por outro lado, não ultrapassa as onze histórias, fábulas embebidas em ácido nas quais ninguém se recupera nem ressuscita ao final. (Joca Reiners Terron).
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