Quando conhecemos Emília, ela é uma mulher morta. Sua vida interrompida nos é entregue como uma tela branca, que se preenche aos poucos com a polifonia de histórias que, embora não lhe pertençam, vão resgatá-la do esquecimento total. Com quase nada a dizer, mas tempo de sobra para escutar, Emília mergulha no mar de palavras que ecoam de Maria da Graça. Ela não sabe bem quando a ladainha ritmada da outra mulher a resgatou de seu poço escuro, nem porque as histórias continuavam a lhe ser contadas, mas lá estava Maria da Graça, todas as manhãs de quartas e sextas-feiras, entregando a Emília doses revigorantes da própria vida. A infância bucólica no interior de Minas Gerais. A perda da mítica figura de sua tia. Os causos misteriosos e intrigas da cidade pequena invadida pela modernidade, povoados por um coro grego de primas que por tudo se interessavam. Maria da Graça falava e falava. Nesse universo de memórias doadas, as histórias de Emília e Maria vão se entrelaçar e transmutar. Emília é, afinal, uma refugiada, e a vida que lhe falta é o passado duplamente arrancado - pelo exílio forçado de seu país e por uma implacável amnésia pós-traumática. Se não fosse ficção, Emília seria uma dessas pessoas cuja trajetória ajuda a contar tanto o prosaico quanto o absurdo que se emaranham na história latino-americana. Do árido do Atacama ao interior do Brasil, do horror das ditaduras à amenidade de um sobrado sob os braços do Cristo Redentor. Na teia de reminiscências que Floradas em Atacama ora compartilha, ora desenterra, somos resgatados, nós também, do torpor frente a histórias que não podem ser esquecidas.
Dieser Download kann aus rechtlichen Gründen nur mit Rechnungsadresse in A, B, BG, CY, CZ, D, DK, EW, E, FIN, F, GR, H, IRL, I, LT, L, LR, M, NL, PL, P, R, S, SLO, SK ausgeliefert werden.