A medida de segurança é compreendida no ordenamento jurídico brasileiro como uma das espécies de sanção penal, ao lado da pena propriamente dita. Tal medida é considerada uma tutela penal para fins terapêuticos, cuja natureza seria preventiva e assistencial. Dessa forma, a medida de segurança é um dos polos de uma cisão no sistema de tutela penal, que se coloca da seguinte maneira: sistema de culpabilidade (imputabilidade/pena) e sistema de periculosidade (inimputabilidade/medida de segurança). A culpabilidade está vinculada a um ato passado, qual seja, o cometimento de um fato penalmente relevante. A periculosidade, por sua vez, orienta a medida de segurança para a prevenção do cometimento de fatos penalmente relevantes no futuro, de tal forma que o sujeito é desvinculado do seu ato ilícito passado (ainda que tenha sido esse o mote que ensejou a tutela penal terapêutica num primeiro momento). Contudo, contemporaneamente, essa concepção "terapêutico-penal" vem sendo desafiada. A Reforma Psiquiátrica e a Luta Antimanicomial (que, mutatis mutandis, se positivaram na Lei Federal n.º 10.216/01), proíbem a construção de novos manicômios no Brasil e fazem preponderar o tratamento ambulatorial em detrimento da internação, em qualquer caso de intervenção relativa a portadores de sofrimento mental. Esse novo cenário traz a necessidade de se repensar criticamente o "periculosismo penal" e o consequente modelo de (não) responsabilidade penal que chancela a completa incapacidade do portador de sofrimento mental de dizer sobre o seu ato - de, em última instância, ser reconhecido como sujeito e como cidadão. A crise da medida de segurança é posta sobre 2 (dois) macro-eixos: a) pelo saldo histórico do "tratamento" ofertado aos considerados loucos, pela Reforma Psiquiátrica e pela Luta Antimanicomial; b) pelo fato de se pautar em um prognóstico de periculosidade que, por sua própria natureza, será sempre estruturalmente impreciso - quando não fantasioso. Ademais, a periculosidade no discurso jurídico é tida como um atributo natural do portador de sofrimento mental infrator, o que atualizaria uma perspectiva de direito penal de autor. Este trabalho passará em revista as dimensões mais relevantes e importantes sobre o tema (através dos macro-eixos supradestacados) e buscará verificar se é possível pensar outro modelo de responsabilidade, dentro ou fora do direito penal, sem que a tutela ou atenção estatal quanto ao portador de sofrimento mental que comete um ilícito penal seja concebida e orientada através do conceito de periculosidade. Repensar o atual modelo dentro das construções teóricas resgatadas neste trabalho implica pensar sobre a possibilidade de superação dos conceitos de imputabilidade e inimputabilidade. Uma das hipóteses aventadas pelo problema colocado seria justamente que a manutenção da cisão imputabilidade/inimputabilidade é um dos principais fatores que sustenta a medida de segurança no sistema penal brasileiro. Tal medida recai no referencial de direito penal de autor e inviabilizaria por completo o dever (e direito) de responsabilidade do portador de sofrimento mental.
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