Livro de estreia de Ricardo Filho para o público adulto, lançado exclusivamente em formato digital, Montado no ponteiro grande do relógio recupera a tradição do flâneur: figura que vaga despreocupadamente pela cidade encontrando ao acaso diversas possibilidades de construção de significados. Diferentemente da celebração da metrópole proposta pelo flâneur típico da Belle Époque, Ricardo Filho sabe que a cidade contemporânea acabou por catalisar todas as angústias e crises ainda não evidentes durante aquele início festivo da modernidade urbana. Não haveria mais o que celebrar. Ou haveria? Com escrita seca e econômica, e certa casmurrice, Ricardo Fillho escreve minicrônicas que a todo momento nos fazem questionar quem é esse narrador que adora Rolling Stones, se entristece com os rumos da cidade de São Paulo e que, apesar de encontrar pequenas alegrias no cotidiano de cidades interioranas, é um homem urbano por natureza. Misturando ódio e lirismo, e um tipo de humor cada vez mais raro porque altamente reflexivo, identificamos no narrador do livro um sujeito capaz de concentrar e expressar todas as dores e as delícias de se viver a experiência caótica, mas irresistível, da vida na cidade. Se muito do que foi prometido pelos famosos andarilhos parisienses de 100 anos atrás nunca se cumpriu, é certo que Ricardo Filho nos leva a refletir sobre a possibilidade de ainda se celebrar a vida na cidade mesmo com tantas frustrações. Apenas em meio ao caos urbano é possível criar um mínimo de sentido para as nossas vidas neste início de século.
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