"Em qualquer cidadezinha, enterro é evento pra ir todo mundo, cachorro, pessoas e também crianças, sem distinção nenhuma, conhecidos ou não." Nessa cidadezinha em particular, o morto é seu Jeremias, e as crianças são Dora e Esmê, duas primas inseparáveis, cuja alegria não é abalada nem pelo defunto ali diante delas. Pelo contrário, as duas se ocupam de um santinho pendendo do bolso de Jeremias, num jogo de cumplicidade e graça. O pequeno episódio, que de alguma forma irá marcar a vida de ambas, é um retrato bem-acabado dessa relação incomum. Dora foi criada sem a mãe, e por um pai entregue à solidão e à apatia, um ente silencioso que vive na penumbra. Desse lar fantasmagórico, Dora salta todos os dias para a vida ao lado de Esmê, sua abertura para o mundo lá fora, acompanhada também pelos vizinhos e por Joana, a amiga-desatino. O mundo lá fora é Rio do Miradouro, uma cidade no interior do Ceará, daquelas em que todos sabem da vida de todos e onde cada um tem uma opinião sobre como o outro deve viver. Quando a infância vai se afastando no retrovisor, a adolescência traz consigo Jaime e as primeiras descobertas. Dora e Esmê dividem tudo e a cumplicidade de ambas, antes infantil, ganha novos contornos: a dupla vira um trio e a vida adulta chega, enfim, com suas belezas e ausências. Neste romance forte, Lorena Portela captura, na passagem do tempo, os movimentos íntimos do amor e do amadurecimento, assim como os efeitos da solidão e do desamparo.
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