Que língua fala Rodrigo Garcia Lopes? Aposto que nem ele mesmo sabe, do contrário não seria poeta. Mas seu enigma nos toca. Mais que isso, especialmente em tempos de pandemonium e pandemia, seu enigma em forma de onda nos leva a realizar o melhor aéreo reverso da sensibilidade. Com essa proeza, trocamos o confinamento pelo mundo lá fora, que nos espera em tormenta, como pressentido pelos personagens de Hopper, ou em epifania epigramática, como na língua de Marcial. Palavras, poemas e capítulos são ondas dentro de ondas. Mas o livro como um todo não é um mar: é ainda outra onda, densa e leve como as melhores ondas costumam ser. Janelas das palavras abertas, atingimos o lábio dessa onda e voamos para descobrir que a poesia em que vivemos está tomada de realidade. Uma onda é um monumento momentâneo. Mas O enigma das ondas durará. Vitor Ramil O enigma das ondas é o sétimo livro de poemas de Rodrigo Garcia Lopes, um dos mais instigantes e inquietos poetas brasileiros que vem, desde os anos 80, construindo uma sólida carreira literária, com vários títulos publicados por esta casa editorial. Rodrigo Garcia Lopes traduziu Epigramas, de Marcial, O navegante (anônimo anglo-saxão), Rimbaud, Whitman, Apollinaire, tendo apresentado as obras de Laura Riding e Sylvia Plath ao leitor brasileiro. Também lançou um livro de entrevistas com personalidades da arte e da cultura norte-americanas, um romance policial, dois álbuns de canções e coeditou por doze anos a revista Coyote, publicando poetas e prosadores brasileiros e do exterior. O enigma das ondas revela um poeta em plena maturidade, que reacende a força e a relevância da poesia, mostrando que ela pode explorar em profundidade, e em registros múltiplos, a realidade contemporânea e a existência. Em 91 peças, o volume traz poemas líricos, políticos, críticos, satíricos e reflexivos. Seus poemas enfrentam o mundo esteticamente e exibem uma urgência vital em nossos tempos turbulentos, como em "Selvageria": "No fim o desembargador era o chefão de uma milícia assassina / E o incêndio na favela celebrado com fuzis e buzinas. / Mais cadáveres encontrados na lama da barragem / E o coronel torturador ganha mais uma homenagem [...]". Ou momentos líricos como "Na praia, junho": [...] os olhos bordejando as ilhas distantes / antes mastigaram o nevoeiro / nossos corpos satisfeitos e ainda quentes / lendo as pistas que os detetives noturnos não seguiram / os pés imprimindo em sua passagem / a sensação de uma vida acontecendo / limpa como a areia após a onda". Poesia como investigação, aventura da palavra, forma de conhecimento do mundo. Pela abrangência de questões, pelo esmero estético, O enigma das ondas é um momento alto da poesia brasileira recente. Samuel Leon
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