Marco Lucchesi é uma presença rara na literatura brasileira. Não só por suas qualidades, que não são poucas, como pelo uso e o arrojo com que faz uso delas para perscrutar os labirintos da vida até seus confins. E para rastrear os vestígios de Deus. Por vezes parece empenhado em abolir os limites entre a literatura e a vida, ao mesmo tempo disposto e indisposto com a cultura livresca. Entre a abstração do signo e a concretude da viagem. Mas é de uma implacável precisão verbal, tanto mais convincente quanto mais se mostra contido e exato, germinativo e aberto, numa mescla indestrinçável, onde prosa e poesia se tangenciam, de criação, recriação e tradução, fazendo sempre ao leitor a exigência máxima (e a grande homenagem) que se pode fazer a um leitor: que conviva e se familiarize com o seu texto, que não é, decididamente, um texto qualquer. Tem um quê de noturno. Emerge das sombras ou à sombra dessa noite que é a origem de tudo e desmente arrivismos e açodamentos com que se costuma endeusar o presente para fazer do passado letra morta. Nele, o passado ainda vive e corre nas veias do presente para torná-lo menos faccioso e arrogante. Ao contrário de tantos, que sob o pretexto de uma equívoca atualidade têm preferência por ignorar - quando não apagar - suas origens, Marco Lucchesi não se furta a essa prospecção. Habitam-no as mais abscônditas vozes desse passado, que se diria visceral, e desse embate de culturas que, para o bem e o mal, moldou o destino europeu, de que somos parte.
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