Este livro é um convite para caminharmos, pensarmos e sonharmos juntos com indivíduos e comunidades Guarani e Kaiowá, que têm tanto para nos contar e ensinar. São 23 relatos pessoais, registrados incialmente em língua guarani, de quem vive e sofre diariamente uma verdadeira geografia do absurdo: ser refugiado em sua própria terra. Em outras palavras, terem sido forçados a ocupar apenas uma ínfima fração do seu mundo ancestral, que lhes foi tomado de forma ilegal, violenta e desonesta pelo processo de ocupação fundiária e por um desenvolvimento regional cada vez mais baseado na farsa do agronegócio e na privatização perversa de quase tudo. Mas os Guarani e Kaiowá não têm assistido passivamente a tanto contrassenso. Pelo contrário, são homens e mulheres que fazem da existência atos de resistência, vida e luta contra a destruição, as injustiças acumuladas e a morte quase total da terra, das plantas, dos bichos, dos rios e de gente indígena submetida a um verdadeiro genocídio contemporâneo. Os relatos nos ajudam a compreender o paradoxo de se enfrentar uma violência genocida explícita, acontecendo ao vivo e a cores, mas inexplicavelmente tolerada pelo restante da sociedade e agravada pela inépcia, ou mesmo conivência, do Estado. A iniciativa deste livro começou na universidade, não como pesquisa convencional e, sim, como um pedido, muito humilde, para que mentes e vozes indígenas ajudassem professores e alunos a melhor compreenderem um país que igualmente exclui a maioria da sua população, indígena e não-indígena. Quando se percebe que teorias e modelos científicos não dão mais conta de uma realidade tão complexa e aberrante - notadamente, expulsar os legítimos donos da terra, destruir ecossistemas e explorar quem trabalha para meramente produzir grãos transgênicos a serem exportados para longe, deixando para trás fome e miséria - fica ainda mais evidente que a boa prática acadêmica sempre, e cada vez mais, precisa ser parte de processos sociais e espaciais que incluam as parcelas marginalizadas da população e que se direcione para a transformação substantiva do mundo. Nesse contexto, os Guarani e Kaiowá, apesar de tanto que lhes foi roubado e negado, tiveram a imensa generosidade de nos relatar sua geografia e escrever as páginas deste livro.
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