A recepção dos clássicos é atitude constante na sociedade já na Antiguidade. Como não se lembrar da Electra de Eurípides, que chega como recepção da peça homônima apresentada por Ésquilo? Ora, a Idade Média e o Renascimento seguiram a mesma linha e resgataram a todo tempo ideias e figuras da Antiguidade, de modo a trazer a lume conceitos ou comportamentos que pudessem servir de exemplo [ou não] do que poderia ser feito e pensado. Seguindo esse raciocínio e não por acaso, a expansão ultramarina portuguesa do século XVI resgatou alguns exemplos de mitos femininos clássicos advindos das Heroides ovidianas, de modo a ensinar às mulheres de então o que deveria ou não ser feito. Como não pensar na atitude resignada e pacienciosa de uma Penélope que espera castamente longos vinte anos pelo retorno do amado sem sucumbir às investiduras de nenhum dos 108 pretendentes? Ou como não refletir no quanto a rainha Dido deixou-se levar pela paixão avassaladora pelo estrangeiro Eneias entregando-lhe tudo, bens e alma? A escolha feita pela tradução para o português renascentista de apenas cinco das vinte e uma cartas que compõem o conjunto das Heroides não se deu por acaso. Tratava-se antes de uma tentativa clara de educação das damas renascentistas que, igualmente às heroínas clássicas, viram-se sozinhas e tendo que resguardar suas terras enquanto seus homens partiram rumo à descoberta de novas terras. O Cancioneiro Geral de Garcia de Resende nos preservou isso por meio da sua poesia palaciana.
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