Em Rinha de galos, seu primeiro livro de contos, a equatoriana María Fernanda Ampuero seleciona um texto do poeta argentino Fabián Casas como epígrafe para, de alguma maneira, antecipar o que virá nas páginas seguintes: "Tudo que apodrece forma uma família". Este é um livro sobre os laços e sua brutalidade quando se rompem, quando são atravessados pela perversão; um livro sobre como o espaço familiar, que deveria ser de proteção e segurança, é, em muitos casos, o lugar no qual se concretizam as violências mais indescritíveis, aquelas que deixam cicatrizes permanentes. "À noite, galos gigantes, vampiros, devoravam minhas tripas, eu gritava, e ele vinha à minha cama e voltava a me chamar de mulherzinha", escreve em "Leilão", o primeiro e chocante relato, que põe em primeiro plano o corpo e sua vulnerabilidade. Nestes contos há mulheres e meninas que assistem a filmes de terror para se acostumar a lidar com monstros; salta à vista a terrível desigualdade do Equador, que se replica em toda a América Latina; a vida cotidiana é interrompida, atacada por uma violência generalizada. As relações de poder são reproduzidas no lar: talvez a crueldade seja a norma nos contos de Rinha de galos porque Ampuero a conhece e a entende, porque sua escrita tem uma íntima relação com a beleza e a violência. Mariana Enriquez
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