"Onde o ausente é comida, as saudades são fome", escreve Antonio Viera no Índice das coisas mais notáveis. Parece dizer bem o "imperador da língua portuguesa" (como o nomeou Fernando Pessoa), essa mesma língua que se orgulha de ter uma única palavra para designar um sentimento cuja ambiguidade parece intraduzível aos outros idiomas - e, portanto, às outras culturas. Se são fome e plural, como quer o pregador jesuíta, as saudades são carência, e múltiplas. Carência, falta, ausência do que fui ou do que se foi, do que esteve e passou, do que se ama mas não está, do que se amou e nunca mais estará, do que se ama e jamais esteve. Assim, pois, como não há memória sem tempo, não há saudade sem lembrança. Por isso a pintura e sobretudo a fotografia se revelam, ao mesmo tempo, como repositórios e provocadores da atualização dessa dor - não necessariamente desesperançada mas sempre melancólica - causada pela imagem eternizada de um momento ou de uma paisagem, de uma pessoa ou de outro sentimento, de uma cena ou de outros tempos, radicalmente outros e singulares, únicos, irreproduzíveis. Centrando-se na fotografia, num percurso que começa pela etimologia da palavra e sua apropriação pela poesia medieval, passando pela pintura, Samuel de Jesus empreende exaustivo estudo sobre as relações entre aquela invenção relativamente recente, hoje tão universal e popularizada, e esse afeto no âmbito da cultura luso-brasileira...
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