"Estamos diante de um desafio jurídico inédito: a interação de tecnologias digitais emergentes com o ambiente social. O fato é que a cada nova etapa evolutiva da inteligência artificial, amplia-se a sua autonomia e os propósitos e soluções que eram humanos se tornam próprios. Rumo à uma eventual "singularidade", a tecnologia gere os riscos e decide, consequentemente danos imprevisíveis são de sua essência. O Robô – seja ele um automóvel autônomo ou outro dispositivo – causa dano como um exercício regular da tarefa e não um defeito do produto por desvio à segurança exigível e esperada, pois a lesão decorre justamente do perfeito funcionamento da máquina e de sua autonomia criativa. Ninguém terá controle suficiente sobre ações da máquina para assumir a responsabilidade por ela, o que demandará uma atualização do conceito de "defeito": ao invés de uma falha de concepção, uma escolha ética de programação. Entre dois bens em perigo, qual deles o self-driven car irá sacrificar? Todavia, a tecnologia não é uma força externa, sobre a qual não temos nenhum controle. A inteligência artificial, que nem é inteligência (propriedade de organismos e não de mecanismos) e nem é artificial (posto criada por humanos) se baseia no input e alimentação do passado para projetar um futuro, devendo servir e assistir ao humano em sua tomada de decisão não o substituir. Como reflete Klaus Schwab – autor da expressão "4. Revolução industrial" – não estamos limitados por uma escolha binária entre "aceitar e viver com ela" ou "rejeitar e viver sem ela". Na verdade, tomamos a dramática mudança tecnológica como um convite para refletirmos sobre quem somos e como vemos o mundo. Quanto mais pensamos sobre como aproveitar a revolução tecnológica, mais analisamos a nós mesmos e os modelos sociais subjacentes que são incorporados e permitidos por essas tecnologias. E mais oportunidades teremos para moldar a revolução de uma forma que melhore o estado do mundo. Esta foi a premissa investigatória da bem-sucedida tese de livre docência de Cíntia Rosa Pereira de Lima no âmbito da responsabilidade civil. No porvir da consolidação do mercado de carros autônomos, esperamos que as lições emanadas deste livro inspirem legislador e regulador na adoção de uma gestão de riscos, no qual a responsabilidade civil transcenda o papel de mecanismo de contenção de danos, abraçando a contenção de ilícitos e estratégias preventivas". Trecho do prefácio de Nelson Rosenvald.