Uma mostra da obra narrativa do poeta, dramaturgo e ficcionista peruano, César Vallejo, é traduzida pela primeira vez no Brasil. Foi publicada em Madri, em 1931, e só lançada no seu país, em 1957, quase vinte anos após a morte do autor, ocorrida em Paris, em 1938, onde era reconhecido como um dos nomes decisivos da literatura latino-americana. Respeitado sobretudo como poeta, autor de livros emblemáticos como Os arautos negros, Trilce e Espanha, afasta de mim esse cálice, Vallejo escreveu várias obras de ficção. Tungstênio é o exemplo contundente desta produção. Ao longo das últimas décadas essa parte da sua obra tem sido reavaliada, como é caso de Tungstênio, que adquiriu uma relevância explícita, e reconhecido pela crítica como um marco literário da narrativa indigenista do Peru, antecipando inclusive um autor como José María Arguedas. Tungstênio é a tentativa veemente de Vallejo de denunciar a exploração não só das riquezas minerais como do povo peruano. Em simultâneo, alerta para o tratamento desumano das populações indígenas, com a complacência das oligarquias locais, suplantando dessa maneira tempo e espaço, e fixando sua narrativa com a força da atemporalidade. Tudo decorre na região serrana de Colca, onde se situam as minas de tungstênio, metal que o Peru chegou a produzir em larga escala até a pouco tempo. Uma empresa norte-americana - a Mining Society - é a responsável pela extração do metal, que envia para os Estados Unidos, prestes a entrar na Primeira Guerra Mundial. Para o efeito, emprega uma legião de indígenas e a população mais desvalida, cujo trabalho se efetua sob o regime de semiescravidão. Os representantes do poder local colaboram com todas as injustiças praticadas, e Vallejo delineia tais personagens de maneira intensa, sem poupar os traços mais obtusos do caráter humano, descrevendo desde um estupro coletivo, até o assassínio da população que tenta fazer um levante após presenciar a morte de um indígena em plena prefeitura. Dessa maneira, Colca se torna o microcosmo de um continente, e todos os ataques sofridos ao longo da história e dos séculos se ressignificam simbolicamente aqui. Ao contrário da poesia do autor, sua ficção transita sobre os aspectos mais crus da realidade que marcou - ainda marca - o Peru e, por extensão, a América Latina. Vallejo intensifica sua paleta, expondo os abusos, os crimes e a intolerância, que são reproduzidos com a tensão contínua. Por essa razão, a crítica que atravessa o livro garante sua atualidade, revelando um autor consciente, mas distinto do poeta que trabalhou os aspectos oníricos e a densidade vanguardista do discurso poético. Com Tungstênio, Vallejo funda uma voz atemporal que con¬tinuará a ecoar para além destas páginas.
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