Testemunhar de perto uma situação política talvez consista no modo máximo de conhecê-la, a ponto de frequentemente adversários ideológicos desafiarem uns aos outros que visitem esse ou aquele país a fim de observar na prática as consequências de um modo particular de administração pública. Pois bem: este livro permitirá ao leitor conhecer as entranhas de alguns dos países em que o comunismo se instaurou, numa visita guiada por ninguém menos que um dos mais talentosos ensaístas da atualidade. A curiosidade pelas dinâmicas do mal, a sensibilidade para com as manifestações estéticas de determinadas ideias, a perspicácia da análise dos acontecimentos políticos internacionais e a agradabilidade da prosa, todas presentes nas obras anteriores de Dalrymple, agora se concentram em Viagens aos Confins do Comunismo, que se prova uma leitura imperdível tanto para os interessados em política como para os apreciadores de boa literatura não-ficcional. Este diário de viagens remete a cinco países - Albânia, Coreia do Norte, Romênia, Vietnã e Cuba -, em todos os quais a ditadura comunista se mantinha em pé mesmo enquanto em outros lugares do mundo ela começava a ruir. Até nisto se revela o interesse de um cientista do comportamento, como o é Dalrymple: o que a ele fascinava era "a morte de modos de viver". Em alguns dos países por que ele passou, pouco depois o comunismo entrou em crise e faliu; em todo caso, quando de sua visita, ele pôde observar crenças e atitudes àquela altura já transformadas em automatismos pelos indivíduos que viviam sob a ditadura. Nisto, seu olhar crítico - e, mais ainda, de psiquiatra - é capaz de notar traços profundos, ainda que nada evidentes, da vida sob o comunismo, revelados inclusive pelas banalidades do cotidiano. Dalrymple observa, por exemplo, como o medo permanente das pessoas as impedia até de parar de bater palmas quando havia algum aplauso público: todos temiam parecer traidores e, apenas por isso, os aplausos eram sempre demorados. As cidades, em sua arquitetura, também diziam muito sobre o regime: os prédios eram sempre monocromáticos, e suas colunas, largas, em um elogio feio e bruto ao poder nu. Os líderes se impunham como figuras sobre-humanas, e Dalrymple aponta como isso era simbolizado nos discursos, na propaganda, nos museus. Mas as visitas ensinaram não apenas sobre os habitantes daqueles países, suas cidades e seus líderes - ensinaram também sobre o próprio visitante, sobre o seu mundo e sobre os seus concidadãos. A visão da farsa e da injustiça totalitárias causava enorme indignação, mas nesses momentos Dalrymple nada podia fazer além de se calar - algo que o apequenava como humano e tornava a ele, como a qualquer outro simples turista, um cúmplice involuntário do regime. O achatamento dos indivíduos é constante sob o Estado comunista, mas Dalrymple não deixa de notar que algo semelhante ocorre no mundo livre quando somos feitos impotentes diante de grandes empresas e corporações; ou quando uma censura branda das ideias faz com que só possamos assumir certas opiniões secretamente, em uma condição de paranoia semelhante à dos cidadãos que eram oprimidos pelo comunismo. É por isso que Dalrymple apresenta o seu relato como um "aviso". E como uma injeção de realismo recomendável aos seus colegas, isto é, aos intelectuais: vários deles, sendo de esquerda, ao ouvirem os relatos de Dalrymple, reagiam relativizando as atrocidades do comunismo por compará-las com alguma injustiça pontual do Ocidente. Esses intelectuais, confortavelmente instalados no Ocidente, desejavam ter utopias, mas preferiam que elas fossem executadas bem longe deles, em outros lugares. Este livro traz o submundo comunista para perto de nós, e é por isso que não se pode ficar indiferente à sua leitura.
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