O primeiro livro que escrevi, cujo título é "Covarde Desejo", surgiu de uma necessidade premente de compartilhar com as pessoas o meu mundo interior, as minhas experiências amorosas, os meus conflitos e medos. Isto tudo na tentativa de superar uma tremenda crise de meia idade. Esta atitude, que para muitos soou como corajosa, de escancarar a minha vida pessoal, enumerando as minhas conquistas e frustrações, para mim foi muito terapêutica. Por ser graduado em filosofia, filosofei sem pudor ao relembrar a minha história tão parecida com a da grande maioria das pessoas da minha geração que, assim como eu, tiveram que enfrentar preconceitos e abdicar de princípios para poderem realizar os seus desejos. Não imaginei que iria escrever outro livro, mas ao criticar o rumo que o autor de uma novela de televisão deu ao seu personagem principal e, diante da minha impotência como um simples telespectador, a única maneira que arranjei para apaziguar a minha indignação foi me colocar no lugar dele e escrever uma história diferente. Assim surgiu "Zoraide", o meu romance de ficção. Ao contrário do primeiro livro, onde para narrar a minha própria história, apenas precisei relembrar os acontecimentos vividos, neste dei asas à minha imaginação e fui criando fatos, tramas, personagens e situações que nunca vivi Foi muito prazerosa esta brincadeira de ser deus, de fazer nascer e morrer personagens, de colocar palavras na boca deles, pensamentos, reflexões e visões de mundo. Ser homem, ser mulher, criança, adolescente; ser empregado, ser patrão, vítima e vilão. Foi realmente uma experiência fascinante, a qual recomendo a todos que não têm medo de se defrontar com suas fantasias, porque ao final do processo criativo, quando reli o que tinha escrito, percebi que os personagens tinham vida própria e ao me distanciar deles notei que tudo aquilo, que até pouco tempo povoava o meu inconsciente, havia se materializado em palavras escritas. E o mais surpreendente foi constatar que escrever uma ficção é expor-se mais do que numa autobiografia; se no Covarde Desejo fui ousado em abrir as portas dos meus aposentos mais íntimos, no "Zoraide" percebo-me completamente nu. (Jovelino Clemente)
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