Rio Grande do Sul: uma formação social escravista Mário Maestri (Em memória de Theó Lobarinhas Piñeiro, companheiro de idéias e esperanças) Por largo tempo, a historiografia sulina e a nacional desconheceram e negaram o caráter escravista da capitania e da província de Rio Grande de São Pedro do Sul. Entretanto, o sul do Brasil se manteve, sempre, até os anos 1884-85, quando da libertação sob a clausula de prestação de serviços gratuitos, em geral por sete anos, entre as principais regiões escravista da antiga formação social brasileira. Em verdade, o RS foi, salvo engano, a única região do Brasil escravista em que a população escravizada seguiu crescendo, por expansão natural, após a abolição do tráfico negreiro, em 1850. Em geral, o desconhecimento-negação da importância do cativo no passado sulino constitui uma forma de cegueira seletiva de uma intelectualidade sempre ligada-submetida aos designios materiais e ideológicos dos donos das riquezas e do poder. A enorme importância do trabalhador escravizado africano e afro-descendente estava registrada em praticamente todos os levantamentos demográficos da capitania e das províncias sulinas dos séculos 18 e 19. Como propôs, nos anos 1950, o advogado e historiador Dante de Laytano, no longo ensaio "O Escravo no Rio Grande do Sul". Uma constatação que não foi retida, ampliada e aprofundada pela historiografia de sua época. A partir sobretudo dos anos 1970, reconhecida, a contragosto, a importância demográfica da população escravizada no passado rio-grandense, a historiografia regional a nacional esforçaram-se para manter a instituição terrível fora das porteiras da fazenda pastoril, o cadinho mítico-sagrado onde se fundiram as elucubrações apologéticas sobre a formação rio-grandense e a proposta de sua diversidade em relação ao resto do Brasil - o RS como região diversa de resto do Brasil, já que essencialmente produto do trabalho do braço do homem livre. O mito da democracia pastoril sulina, de indiscutível origem platina, pressupunha a existência de um gaúcho idealizado, verdadeiro monarca dos pampas, sem contradições com seu explorador, o estancieiro. Nessa invenção da tradição, criava-se um trabalhador pastoril livre dominante - o gaúcho - e apresentava-se o trabalho pastoril como um verdadeiro jogo, irmanando o peão e o estancieiro, verdadeiros companheiros de lida e de luta. Como então reconhecer o caráter hegemônico do "cativo campeiro" na grande estância sulina? O RS nunca foi Terra de Gaúcho Estudos mais detidos revelaram fenômeno histórico conhecido ou pressentido por aqueles que estudaram comparativamente a história e as práticas pastoris no imenso bioma constituido pelas planícies atapetadas por gramíneas do meridião da América do Sul, meio geoecológico favorável à procriação natural e à criação de bovinos, de cavalares, de muares, de ovinos. Ou seja, o Rio Grande do Sul teve, sim, seus gaúchos, que se empregaram eventualmente como peões. Entretanto, essa região jamais foi terra de gaúcho, como o foram, ao contrário, as províncias de Buenos Aires, de Santa Fé, de Corrientes, de Entre Rios, regiões que tiveram sua história social, política e econômica fortemente fecundada e determinada pelo gaúcho. O que jamais ocorreu no Rio Grande do Sul. Em 1865, o caudilho entrerriano Justo José de Urquiza comprometeu-se em reunir, rapidamente, dez mil cavaleiros, sobretudo gaúchos, peões e pequenos proprietários, para participarem da guerra contra o Paraguai. Isso em uma época em que Entre Rios tinha uma população fortemente inferior à do Rio Grande do Sul. Na guerra farroupilha, em 1835-1845, os grandes estancieiros tiveram, ao contrário, que libertar e armar, em forma abundante, homens escravizados para defenderem seus interesses.
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