Fabiano narrador? Em que medida seria isso possível? A perspectiva de encarar criticamente essa possibilidade no romance "Vidas Secas", de Graciliano Ramos, deve levar em conta uma sondagem do campo narratorial. Nele, o narrador de terceira pessoa, por uma singular adesão a suas personagens, permite, ouvindo-as, que criaturas socialmente impedidas de escrever manifestem-se discursivamente. Por meio de noções como "discurso" e "escolha" de léxico - fazendo refletir igualmente sentimento e ideologia -, os retirantes do sertão nordestino brasileiro dão chances também a que se discutam noções como "escrita", "imitação", "metáfora" e "oralidade", pondo em crise, no mundo moderno, o caráter épico das narrativas convencionais e seu recorte retórico. Assim, "Vidas Secas" avulta como uma obra que coloca em segundo plano a sua classificação de regionalista e ao mesmo tempo ilumina seu caráter de modernidade, pelo qual se revela capaz de rever criticamente os fundamentos do seu enquadramento no modernismo brasileiro, a partir de 1930.